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Pés na Areia
Com o calor do Verão vem a vontade de ir para a praia. O mar, o bronze e a bola de Berlim chamam pela grande maioria. Hoje, mesmo em tempos de distanciamento social, tomamos os dias passados na praia como normais. Mas como é que este hábito começou?
Muito embora faça bem à mente e à alma, para além do corpo, atualmente a ida à praia é mais para efeitos de lazer. Mas nem sempre foi assim. Antigamente considerava-se que a água fria do mar, aliada ao sal, fazia bem à saúde. Uma ida à praia era mais para terapia do que para diversão. Os primeiros registos, em Portugal, de banhos no mar referem os seus efeitos benéficos e datam de 1753. Mais tarde, quando esteve exilado no Brasil durante as invasões francesas, o nosso rei D. João VI foi aconselhado a tratar de uma ferida de carrapato, que lhe causou uma febre, indo a banhos de mar. Banhava-se dentro de uma caixa de madeira, porque tinha medo de ser atacado por crustáceos. Foi-lhe recomendado que permanecesse dentro da água durante algum tempo, dentro da sua caixa, que estava sustentada por escravos, para que o iodo do mar ajudasse a cicatrizar a ferida. Alias, diz-se que esta foi a única ida a banhos do rei, que era conhecido por ser bastante descuidado com a sua higiene.
Já em meados do século XIX, a moda começou a pegar. Quase todas as praias em redor de Lisboa eram destino de banhos das elites da capital de Portugal. Cascais ganhou fama como destino de praia graças ao gosto de D. Carlos por aquela zona. Já a rainha Maria Pia preferia os passeios na Ericeira, aproveitando o fácil acesso a partir do Palácio Nacional de Mafra e a beleza da vila ericense. Mais a norte, a elite coimbrã era aconselhada pelos médicos a aproveitar as praias da Figueira da Foz. Para crianças, era aconselhada a praia de São Martinho do Porto pelas suas águas calmas. Portanto, a ideia de praia como destino para fins terapêuticos continuou ao longo deste século.
Somente no século XX, nomeadamente nos loucos anos 20, é que a ideia de aproveitar o sol da praia e o mar para efeitos de lazer começou a ganhar fôlego. Nos anos 30, outro local ganhou o estatuto de melhor praia de Portugal: o Estoril, devido aos projetos do empresário Fausto de Figueiredo. Neste século, já estava a espalhar-se a moda de “ir à praia”. Até se começou a criar roupa para o efeito, como se pode ler num excerto das memórias do Marquês de Fronteira e Alorna: “Homens e crianças entravam na água com longos fatos de malha, colants, às riscas horizontais brancas e pretas, joelhos cobertos e mangas abaixo dos cotovelos. E as senhoras arrastavam pela areia e pela água as pesadas caudas de uns vestidos de castorina escura, avivada a nastro branco. Com luxo supremo usavam-se os vestidos de banho em alpaca preta bordada a soutache de seda branca”. No entanto, em jeito de continuar com esta pomba e circunstância, os veraneantes não passavam o dia assim vestidos. Os homens chegavam de fato e gravata e as mulheres com vestidos compridos. Mudavam de roupa nas barraquinhas somente para ir ao mar. Não se tomavam banhos de sol e os passeios pela praia faziam-se completamente vestidos.
Mais tarde, já em meados do século XX, a moda pegou a sério. De tal modo, que nos anos 60, iniciaram-se os concursos de fatos de banho. O Norte era a zona balnear da moda. Somente na década seguinte é que o Algarve viria a ser a pérola dos destinos de Verão da população. Quase todos começaram a aventurar-se pelas estradas nacionais em direção ao sul de Portugal.
Em cerca de 350 anos, o que podemos dizer que mudou? Hoje todas as pessoas vão para a praia. Algo que só era possível para as elites e somente para fins terapêuticos passou a ser um hábito de todos. As pessoas mais ricas, em particular a partir dos séculos XIX e XX, compravam casas para as férias, em Cascais, Ericeira, Figueira da Foz, Nazaré, basicamente ao longo de toda a costa de Portugal. Mais tarde, o povo virou-se para o sul e para o tempo mais ameno do Algarve. Aí também compram as suas casas de férias. Ah! E outro hábito que mudou nas últimas décadas… As pessoas passeiam de chinelo na areia e os fatos de banho encolheram!